O Nobre Caminho Óctuplo: O que é, Como Compreender e Como Praticar


O sofri­men­to (ou insa­tis­fa­ção) ine­ren­te à vida é a pri­mei­ra das Quatro Nobres Verdades do budis­mo. A forma de aca­bar com o sofri­men­to é a quar­ta Nobre Verdade. Foi para aju­dar os seres sen­cien­tes a acabar com o seu sofri­men­to que o Buda Shakyamuni ensi­nou o Nobre Caminho Óctu­plo que cons­ti­tui a versão detalhada da quar­ta Nobre Verdade e é fun­da­men­tal à práti­ca budis­ta. Diz-se “óctu­plo” por­que é for­ma­do por oito aspectos; “nobre”, por ser moral­men­te cor­rec­to e por­que nada nele nos desen­ca­mi­nha­ria; “cami­nho” porque deve ser segui­do duran­te um perío­do, da mesma forma que uma tri­lha, e por­que leva dire­cta­men­te à meta da liber­ta­ção do sofri­men­to e da ilu­são.

No simbolismo budista, o Nobre Caminho Óctuplo é representado pela Roda do Dharma (Dharmachakra) cujos oito aros representam os oitos aspectos do Caminho ensinado pelo Buda.


Aspectos do Nobre Caminho Óctuplo

Seguir o Nobre Caminho Óctu­plo é o ­melhor e mais fun­da­men­tal modo de praticar a nossa cren­ça nos ensi­na­men­tos do Buda. Trata-se de ­seguir os seus oito aspectos:

1. Compreensão Correcta (Samyag-drsti)

2. Pensamento Correcto (Samyak-samkalpa)

3. Fala Correcta (Samyag-vac)

4. Acção Correcta (Samyak-karmanta)

5. Meio de Vida Correcto (Samyag-ajiva)

6. Esforço Correcto (Samyak-vyayama)

7. Atenção Correcta (Samyak-smrti)

8. Concentração Correcta (Samyak-samadhi)


Compreensão Correcta

Conhecer as Quatro Nobres Verdades do Budismo (existência do sofrimento, causas do sofrimento, libertação do sofrimento, caminho para a libertação) é uma forma de entender e aceitar as coisas da vida como realmente são. Isso vai incentivar a querer libertar-se e a querer ajudar os outros a fazer o mesmo.

No início, não pode­mos espe­rar que a nossa compreensão este­ja em per­fei­ta harmonia com o Dharma. Se fosse assim, já não tería­mos nada a apren­der. Daí que um aspec­to fun­da­men­tal da Compreensão Correcta é a von­ta­de de nos autoquestionar, sobre­tu­do no que diz respeito ao nosso com­por­ta­men­to. A maio­ria das pes­soas perde tempo a tentar jus­ti­fi­car o que fez ou o que quer fazer. Devemos tentar inverter o processo e em vez de tentar justificar as nossas transgressões, devemos tentar aprender o que elas significam e como transformá-las.

Sutra Shrimala-devi-simhanada (Sutra do Rugir de Leão da Rainha Shrimala) diz que a Compreensão Correcta é aque­la que não leva à nossa ruína. De acor­do com o Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores), a Compreensão Correcta é a que nos tira da ilu­são. Para o Tra­ta­do sobre a Perfeição da Grande Sabedoria, a Compreensão Correcta é a pró­pria sa­be­do­ria. O Portais Gradativos para o Mundo do Dharma ensi­na que a Compreensão Correcta é a clara e per­fei­ta per­cep­ção das Quatro Nobres Verdades.

A pala­vra “compreensão” deno­ta, aqui, a nossa forma de ver e enten­der a vida, o que estabe­le­ce a nossa filo­so­fia de vida. Compreensão Correcta, basicamen­te, é a sin­to­nia com o Dharma. Para tê-la, é essen­cial com­preen­der clara­men­te o prin­cí­pio de Causa e Efei­to, o Karma, as Quatro Nobres Verdades e a dife­ren­ça entre o bem e o mal.

Além da ideia clara a res­pei­to dos con­cei­tos bási­cos do budis­mo, outro ele­men­to importan­te da Compreensão Correcta é o enten­di­men­to pro­fun­do das ver­da­des do budis­mo. O Dharma é ver­da­dei­ro. A ilu­mi­na­ção do Buda é real. O Dharma adap­ta-se às con­di­ções de onde esti­ver, mas, em essên­cia, nunca muda, por­que apon­ta sempre para a mente búdi­ca ilu­mi­na­da.

O momen­to do pri­mei­ro vis­lum­bre da ver­da­de do Darma é aque­le em que se vislum­bra o Buda – e é aí que come­ça a esta­be­le­cer-se a Compreensão Correcta. Dito de outra forma, Compreensão Correcta é a mente búdi­ca des­per­ta que come­ça a actuar em nós.

Nas profundezas da mente, apoie-se na pureza do Dharma. Em pouco tempo, os seus frutos supremos serão alcançados. (Sutra do Grande Nirvana)


Pensamento Correcto

Obviamente, o Pensamento Correcto fun­da­men­ta-se na Compreensão Correcta. Se a nossa compreensão da vida neste mundo for cor­re­cta, os pensa­men­tos dela decor­ren­tes tam­bém o serão.

Sem dúvida, na prá­ti­ca do pensamento correcto, deve exis­tir uma interacção cons­tan­te entre a intenção (pensamento) e a com­preen­são. Não basta que­rer ter Compreensão Correcta ou Pensamento Correcto. Até o pró­prio Buda pre­ci­sou de seis anos de inten­sa prá­ti­ca ascé­ti­ca para che­gar ao pleno enten­di­men­to da ver­da­de.

O ali­cer­ce essen­cial para o Pensamento Correcto, assim como para a Compreensão Correcta, é a von­ta­de de nos ques­tio­nar a nós pró­prios e às nos­sas cren­ças. Ninguém con­se­gui­rá conquis­tar a Compreensão Correcta nem o Pensamento Correcto sem pas­sar lon­gos perío­dos em intensa e fran­ca introspec­ção. O 

Shastra Yogachara-bhumi (Tratado sobre os Estágios da Prática do Ioga) 

diz: “Quando se inves­te ener­gia na Compreensão Correcta, alcan­ça-se um esta­do livre do mal e da raiva, que é o Pensamento Correcto”.

O Pensamento Correcto é aque­le desas­so­cia­do dos Três Venenos – inveja, raiva e ignorância. Pode ser visto como a fer­ra­men­ta que nos ajuda a apli­car a Compreensão Correcta à nossa vida. Podemos ler sobre a Compreensão Correcta e até enten­der o que lemos, mas saber o que é a Compreensão Correcta não tem gran­de uti­li­da­de. É o Pensamento Correcto que nos ajuda a apli­car essa compreensão à nossa vida.

A Compreensão Correcta ­baseia-se no vis­lum­bre da mente búdi­ca. O Pensamento Correcto tem por fun­da­men­to lem­brar aque­le vis­lum­bre e concentrar toda a nossa força para nos aproxi­mar dela cada vez mais.

Como puri­fi­car as ten­dên­cias da mente? Através da intros­pec­ção pro­fun­da, contem­ple o fato de que a fonte de todo o bem e de o todo mal nada mais é do que a pró­pria mente. Um sim­ples pen­sa­men­to mal­do­so pode produzir uma por­ção de con­se­quên­cias noci­vas, ao passo que um sim­ples pen­sa­men­to bom pode gerar uma abun­dân­cia de coi­sas boas. (Mestre Yongjia Xuanjue, 665-713)


Fala Correcta

A Fala Correcta evita que crie­mos karma negativo através da palavra. A maio­ria das pessoas cria gran­de parte do seu karma nega­ti­vo através de pala­vras des­tem­pe­ra­das. Não deve­mos ter medo de falar a ver­da­de, mas a forma como dize­mos as coi­sas e o momen­to que escolhe­mos para isso são muito importantes. Uma ver­da­de dita na hora erra­da – corri­gir alguém na presença de outras pes­soas, por exem­plo – pode cau­sar imenso sofrimen­to. Se mesmo uma ver­da­de pode cau­sar danos, ima­gi­ne o tama­nho dos pre­juí­zos que são gerados com men­ti­ras, aspe­re­za e mexe­ri­cos!

Na sua defi­ni­ção mais ele­men­tar, a Fala Correcta equi­va­le a não men­tir, não ser fingido, não ser rude e não ser sar­cás­ti­co. Além des­tas características, a Fala Correcta é tam­bém aque­la que não é irri­tan­te, difa­ma­tó­ria, orgu­lho­sa ou arro­gan­te, insul­tuo­sa ou crí­ti­ca, amar­ga ou cáus­ti­ca, injus­ti­fi­ca­da­men­te extra­va­gan­te ou pom­po­sa.

Há qua­tro aspectos que pode­mos e deve­mos ­seguir no que diz res­pei­to à fala:

- Falar só e sempre a verdade;

- Ser compassivo ao falar. Se acreditar que as suas palavras vão ferir os sentimentos de alguém, cale-se simplesmente. Use a voz para espalhar gentileza e bondade no mundo;

- Ser encorajador. Por vezes, uma simples palavra pode gerar paz, alegria e conforto. Caso tenha a oportunidade de animar, elogiar ou confortar alguém, não se contenha. As suas palavras podem ser justamente tudo aquilo que a outra pessoa precisa;

- Ser prestável. Utilize a fala para ajudar o próximo. As palavras podem ser úteis de várias formas, para ensinar e explicar ou para incentivar os outros a conversar sobre um determinado assunto. Este último ponto é bastante importante, uma vez que a melhor forma de aprender o Dharma é através do diálogo e da argumentação.

Para a fala, assim como para tudo, o ­melhor exem­plo é sem­pre o Buda. Lembre-se: o Buda era conhe­ci­do como “aque­le das pala­vras verdadeiras, aque­le que não muda as suas pala­vras, aque­le que não mente”. O Dharma ensi­na­do pelo Buda é o ­melhor exem­plo de Fala Correcta no mundo.

Os que são sábios praticam a fala correcta, a fala suave, a fala harmoniosa e a fala verdadeira. Isso porque o uso da fala correcta nos livra da frivolidade, o da fala suave nos livra da rispidez, o da fala harmoniosa nos livra da duplicidade e o uso da fala verdadeira nos livra da mentira. (Mestre Yongjia Xuanjue, 665-713)


Acção Correcta

O Pensamento Correcto diz res­pei­to ao fun­cio­na­men­to da mente. A Fala Correcta refere-se à utili­za­ção da lin­gua­gem. A Acção Correcta abran­ge tudo o que faze­mos com o corpo, incluindo os bons hábi­tos de ali­men­ta­ção e sono, exer­cí­cio físico e repou­so ade­qua­dos. Os hábi­tos de tra­ba­lho e tudo o que se rela­cio­na com o corpo e com o karma é gera­do pelo nosso comportamen­to.

A Acção Correcta é ­seguir os Cinco Preceitos do budis­mo. Implica uti­li­zar o corpo para executar e expres­sar as con­clu­sões cor­rec­tas tira­das através do Pensamento Correcto e da Compreensão Correcta.

Concentre total­men­te a mente no Buda. Realize o poten­cial da natu­re­za humana. Quando a natureza humana for realizada em todo o seu potencial, a budeidade será atingida. (Mestre Taixu, 1889-1947)


Meio de Vida Correcto

Meio de Vida Correcto, ou Profissão Correcta, refere-se à forma como ganha­mos a vida. Isso pode ser problemático devido às com­ple­xi­da­des do mundo moder­no. O Meio de Vida Correcto impli­ca não fazer e não levar nin­guém a fazer algo que viole os pre­cei­tos do budis­mo. De acor­do com o Shastra Yogachara-bhumi (Tratado sobre os Estágios da Prática do Ioga): “O Meio de Vida Correcto sig­ni­fi­ca que, para aten­der às necessi­da­des de vestuário, alimenta­ção e ­outros itens, não se fará nada que viole a mora­li­da­de”.

Todo o tra­ba­lho deve estar na maior sin­to­nia pos­sí­vel com os ensinamentos do Buda. A nossa ocu­pa­ção não deve pre­ju­di­car nin­guém, nem devemos incen­ti­var outra pes­soa a fazê-lo. O Buda Shakyamuni viveu numa socie­da­de muito dife­ren­te da nossa. Ainda assim, rela­cio­nou duas espe­ci­fi­ci­da­des rela­ti­vas ao tra­ba­lho que ainda são váli­das para os budis­tas de hoje:

- Não ter casas de jogos, bares, bordéis ou matadouros;

- Não caçar, pescar ou exercer uma profissão que envolva a matança de animais.

O tra­ba­lho que faze­mos neste mundo ­produz mui­tas sementes kármicas. O budis­mo é conheci­do como o Caminho do Meio por­que o Buda sem­pre ensinou os seus segui­do­res a evitar extremos em tudo – equi­lí­brio e dis­cer­ni­men­to são aspec­tos fun­da­men­tais da sabe­do­ria. Assim, ao ana­li­sar a nossa ocu­pa­ção e com­pa­rar o que faze­mos com as ver­da­des do Dharma, é pre­ci­so cer­ti­fi­carmo-nos de que não esta­mos a ser radi­cais nas nos­sas interpreta­ções.

Porém, se com esta análise con­cluir­mos que a nossa ati­vi­da­de con­tra­ria os ensi­na­men­tos do Buda, será neces­sá­rio mudar a forma como tra­ba­lha­mos ou até mudar de ocu­pa­ção. Esse tipo de mudan­ça não deve ser empreen­di­do pre­ci­pi­ta­da­men­te. Devem levar-se em consideração os membros da nossa família, patrões, empregados e todas as pes­soas que pos­sam ser afe­ta­das pelas nos­sas deci­sões.


Esforço Correcto

Depois de colo­carmos a vida em ordem, ou seja, quan­do tiver­mos a Compreensão Correcta, o Pensamento Correcto, a Fala Correcta e o Meio de Vida Correcto, natu­ral­men­te pas­sa­re­mos a fazer o Esforço Correcto.

Esforço supõe mudar para ­melhor, tor­nar-se mais sábio, calmo e moralmen­te corre­cto. Com o Esforço Correcto, enten­de­mos ­melhor o Dharma a cada dia que passa e aprende­mos a apli­cá-lo mais e mais na nossa vida.

Na prá­ti­ca do budis­mo, como em tudo, man­ter a regu­la­ri­da­de é importan­te. Se nos tornarmos pre­gui­ço­sos ou desa­ten­tos, come­ça­re­mos a regre­dir. O Dharma con­tém tesou­ros pro­fun­dos, sendo impos­sí­vel son­dar a sua dimen­são em pouco tempo. Devemo-nos comprometer nos ensi­na­men­tos do Buda e, de forma regu­lar e gra­dual, apren­der a valo­ri­zar a magnitude do Dharma e a sabe­do­ria do Buda. A nossa sabe­do­ria será ­ampliada enquan­to permanecermos pró­xi­mos do Dharma, per­mi­tin­do que este indi­que como nos deve­mos comportar.

Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria suge­re qua­tro for­mas de Esforço Correcto:

- Manifestar a bondade onde ela não existe;

- Fomentar a bondade onde ela existe;

- Não manifestar o mal onde ele não existe;

- Extinguir o mal onde ele existe.

Quem con­si­de­ra pro­ble­má­ti­co ­demais pra­ti­car os ensi­na­men­tos do Buda provavel­men­te não compreen­deu que os pro­ble­mas cau­sa­dos pela pre­gui­ça são muito pio­res. A prá­ti­ca des­ses ensinamen­tos, ape­sar de requerer esfor­ço, não é algo que dure para sem­pre. Chega o dia em que o êxito é alcan­ça­do, o que resul­ta em imen­sa ale­gria. Por outro lado, a pre­gui­ça, e a falha em praticar esses ensinamentos, acabam por rou­bar toda a nossa paz, levan­do-nos a ­sofrer ao longo de mui­tas vidas. (Mestre Xing’an, 1686-1734)


Atenção Correcta

Atenção Correcta sig­ni­fi­ca encontrar den­tro de si a pure­za ine­ren­te à mente búdi­ca e nela per­ma­ne­cer, não permitindo que essa pure­za seja obscure­ci­da pelos vene­nos da inveja, da raiva e da ignorân­cia.

A Atenção Correcta advém dos seis pri­mei­ros aspec­tos do Nobre Caminho Óctuplo. Ela é uma parte pura nossa, que se expan­de con­ti­nua­men­te à medi­da que praticamos o Dharma. O Sutra dos Ensinamentos Legados pelo Buda diz: “Se a nossa Atenção Correcta for firme, pode­re­mos até pene­trar no perigo­so mundo dos Cinco Desejos sem que ­nenhum mal se abata sobre nós. É como usar uma arma­du­ra numa bata­lha – não há nada a temer”.

Os budis­tas devem sem­pre privilegiar a Atenção Correcta em detri­men­to do raciocí­nio iludi­do. Se a nossa Atenção é correcta não sere­mos aba­la­dos pelas fal­sas distin­ções da dua­li­da­de. Não caire­mos na ilu­são das opo­si­ções nós/outros, perda/ganho, vida/morte. A Atenção Correcta ensi­na-nos a manter a cons­ciên­cia de que as coi­sas são como devem ser e que tudo o que pode­mos fazer é tra­zer um pouco mais de bondade a este mundo.

O Buda ensi­nou qua­tro con­tem­pla­ções para nos aju­dar a con­quis­tar e man­ter a Atenção Correcta – um esta­do em que não há apego a ­nenhum dos inces­san­tes capri­chos da ilu­são. Essas con­tem­pla­ções desti­nam-se a auxi­liar-nos no esfor­ço de nos liber­tar do fascínio pelo mundo da ilu­são. Depois de eli­mi­na­do esse fas­cí­nio, começare­mos a per­ce­ber a pureza e a bele­za que repou­sam no âmago da Atenção Correcta:

- Contemplação da impu­re­za. Uma das cau­sas mais fun­da­men­tais do apego das pessoas à ilu­são é o gran­de amor que ­nutrem pelo corpo. Uma quan­ti­da­de enor­me de inveja e raiva surge do amor ao corpo. O corpo deve ser cui­da­do e não deve ser mal­tra­ta­do; porém, não pode­mos deixar-nos con­des­cen­der por ele. Todos devem consciencializar-se ple­na­men­te de que o corpo vai um dia adoe­cer e morrer.

Mesmo sau­dá­vel, o corpo é reple­to de excreções, ali­men­tos semi­-di­ge­ri­dos, muco, linfa, san­gue, urina e mui­tas ­outras subs­tân­cias que são, essencialmente, impu­ras. O Buda ensinou a con­tem­plar a impu­re­za do corpo para nos aju­dar a supe­rar o apego a ele. O objec­ti­vo dessa con­tem­pla­ção não é cau­sar-nos repul­sa, mas aju­dar a liber­tar-nos do apego ao mundo da carne.

Contemple que tanto o corpo quan­to a apa­rên­cia do corpo são ­vazios. (Sutra do Grande Nirvana)

- Contemplação do sofri­men­to. Contemple que todas as sen­sa­ções são dolo­ro­sas ou levam à dor. Esta con­tem­pla­ção volta a enfa­ti­zar a Primeira Nobre Verdade. Indepen­den­te­mente do que acon­te­ça connos­co, no fim, nin­guém consegue esca­par do sofri­men­to cau­sa­do pelas ver­da­des da imper­ma­nên­cia, da doen­ça, da sepa­ra­ção dos entes que­ri­dos e da morte. O Buda Shakyamuni exortava os seus segui­do­res a enca­rar esta ver­da­de de fren­te, sem dela se afastarem. O Dharma fun­da­men­ta-se na ine­ren­te insa­tis­fa­ção da vida neste mundo. O Prín­ci­pe Siddharta, que veio a tor­nar-se o Buda, dei­xou a casa do seu pai para bus­car a ilumina­ção ­depois de com­preen­der ple­na­men­te a inevi­ta­bi­li­da­de do sofri­men­to neste mundo.

Contemple que a sen­sa­ção não resi­de den­tro do corpo, nem fora do corpo, nem entre os dois. (Sutra do Grande Nirvana)


- Contemplação da imper­ma­nên­cia. Contemple a imper­ma­nên­cia e a inconstân­cia dos pensa­men­tos. Os pen­sa­men­tos vêm e vão com uma rapi­dez quase incon­ce­bí­vel e muito menos con­tro­lá­vel. Num momen­to esta­mos no paraí­so, e no seguin­te vemos as por­tas do infer­no a abri­rem-se dian­te de nós. Nada disso é per­ma­nen­te. Nada disso se man­tém.

A mente movi­men­ta-se inces­san­te­men­te pelas con­di­ções desorganizadas do mundo sen­so­rial. Contemplando as fra­gi­li­da­des e inconstân­cias dos nos­sos pró­prios pensamen­tos, ensi­na­mo-nos que todas as coi­sas são imper­ma­nen­tes e que nada que possa­mos con­ce­ber dura para sempre.

Contemple que a mente está reple­ta de lin­gua­gem e que a lin­gua­gem é separada daqui­lo a que se refe­re. (Sutra do Grande Nirvana)


- Contemplação do “não eu”. Contemple a ine­xis­tên­cia de uma natu­re­za individual per­ma­nen­te e imu­tá­vel em tudo e em todos.

Contemple que, toma­dos por aqui­lo que são, os fenó­me­nos não são nem bons nem maus. (Sutra do Grande Nirvana)


Sutra Vajracchedika-prajñaparamita (Sutra do Diamante) diz: “Todos os dhar­mas con­di­cio­na­dos são como ­sonhos, como ilu­sões, como ­bolhas, como som­bras, como orva­lho, como relâm­pa­gos e todos eles devem ser dessa forma con­tem­pla­dos”. Os dharmas con­di­cio­na­dos são as coi­sas deste mundo, inclu­si­vé aque­las que estão no nosso pen­sa­men­to e na nossa ima­gi­na­ção. O Buda disse que todos eles são “como relâm­pa­gos ou como orva­lho”. Nenhum per­sis­te e nenhum é, em últi­ma aná­li­se, real. Nenhum tem natu­re­za própria. Nenhum está imune às mudan­ças.

Quando todas as ilu­sões são extin­tas, o que não é ilu­só­rio não se extin­gue. É como lim­par um espe­lho: quan­do a poei­ra é eli­mi­na­da, apa­re­ce a cla­ri­da­de. (Sutra da Iluminação Plena)


Concentração Correcta

A prá­ti­ca budis­ta tem como ali­cer­ces a mora­li­da­de, a medi­ta­ção e a sabe­do­ria. A Fala Correcta, a Acção Correcta, o Meio de Vida Correcto e o Esforço Correcto obje­cti­vam aju­dar-nos a melhorar mora­lmente. A Compreensão Correcta, o Pensamento Correcto e a Atenção Correcta por sua vez, pretendem tor­nar-nos, se não ­sábios, pelo menos um pouco mais sábios.
A Concentração Correcta é a fer­ra­men­ta para apren­der­mos a medi­tar e bene­fi­ciarmos com a medi­ta­ção. A tran­qui­li­da­de e a paz encon­tra­das na medi­ta­ção são os alicerces da sabe­do­ria budis­ta. Em sâns­cri­to, o termo para concentração é samád­i, que desig­na um esta­do profun­do de con­cen­tra­ção ou um estado profundo de equi­lí­brio medi­ta­ti­vo. A base de qual­quer meditação é a con­cen­tra­ção. Quando apren­de­mos a con­cen­trar-nos longa e profundamente nas ver­da­des imu­tá­veis do budis­mo e come­ça­mos a des­co­brir a sua plenitude em esta­dos men­tais que exis­tem para além da lin­gua­gem, esta­mos a pra­ti­car a Concentração Correcta.

A paz e a pure­za que são des­co­ber­tas no samád­i, quan­do cor­re­cta­men­te apli­ca­das à vida, tra­zem enor­mes bene­fí­cios para nós e para as pes­soas com as quais temos con­tac­to. Em ter­mos ­gerais, a medi­ta­ção deve pro­mo­ver ­uma melhor saúde físi­ca, ensi­nar-nos a tranquilidade, auxi­liar-nos a ver mais cla­ra­men­te – o que sig­ni­fi­ca ilu­mi­nar-se – e, finalmente, mos­trar-nos o esplen­dor da nossa ineren­te natu­re­za búdi­ca. A medi­ta­ção deveria promover um com­por­ta­men­to social sau­dá­vel e pres­tável e não tornar-nos depres­si­vos ou antissociais.

Se, medi­tan­do no Buda, per­ce­ber que a sua mente não está calma e uni­fi­ca­da, deixe que ela se recolha em si mesma e ela ficará tranquila e uni­fi­cada. A ­melhor forma de fazer isso é pelo esfor­ço puro e sin­ce­ro. Quem não for sin­ce­ro não terá êxito. (Mestre Yinguang, 1862-1940)


 

Como Compreender o Nobre Caminho Óctuplo

O Shastra Abhidharma-mahavibhasha expli­ca: “A Compreensão Correcta leva ao Pensamento Correcto. O Pensamento Correcto ajuda-nos a con­quis­tar a Fala Correcta. Pela Fala Correcta, con­se­gui­mos che­gar à Acção Correcta. A Acção Correcta pos­si­bi­li­ta-nos alcançar o Meio de Vida Correcto. O Meio de Vida Correcto é o iní­cio do Esforço Correcto. O Esforço Correcto traz a Atenção Correcta e esta per­mi­te-nos domi­nar a Concentração Correcta”.

Assim como mui­tos ­outros ele­men­tos do budis­mo, o Nobre Caminho Óctu­plo é uma divisão ver­bal e con­cei­tual de algo essencialmente indi­vi­sí­vel. Idealmente, o Nobre Caminho Óctu­plo deve­ria ser pra­ti­ca­do na ínte­gra, uma vez que suas par­tes estão interrelaciona­das, e não deve­ria exis­tir sepa­ra­ção entre elas, mas o Buda diferenciou esses oito aspectos rela­ti­vos à práti­ca do Dharma por­que que­ria apresen­tar infor­ma­ções com­ple­xas de forma que esti­ves­sem ao alcan­ce de qual­quer pessoa empenha­da em compreendê-las.

Assim como os Cinco Preceitos, que podem ser adop­ta­dos gra­dual­men­te até que todos tenham sido domi­na­dos, o Nobre Caminho Óctu­plo pode ser apren­di­do passo a passo. O tre­cho do Shastra Abhidharma-mahavibhasha ,citado no iní­cio, mos­tra como os oito aspectos do Ca­mi­nho Óctu­plo se interrela­cio­nam. Essa expli­ca­ção deve ser toma­da apenas como uma aproxima­ção. Não devemos dedu­zir que seja neces­sá­rio espe­rar até conquistarmos a Compreensão Correcta e o Pensamento Correcto para come­çar a aperfeiçoar a Palavra Correcta, por exem­plo.

O Buda ­incluiu a pala­vra “Cami­nho” ao criar a expres­são Nobre Caminho Óctuplo justamen­te por­que é um ensi­na­men­to para ser pra­ti­ca­do e apren­di­do ao longo do tempo. O Dharma é extraor­di­na­ria­men­te pro­fun­do e sábio, mas, ainda assim, pode ser compreendi­do por todos os seres huma­nos que realmen­te se dedi­quem a ele.

A Compreensão Correcta é colo­ca­da em pri­mei­ro lugar no Nobre Cami­nho Óctuplo por­que funciona como a bús­so­la de um navio – a sua fun­ção é evi­tar que percamos o rumo. Se tiver­mos a Compreensão Correcta, os restantes aspectos, assim como a vida, flui­rão natu­ral­men­te. Nunca é ­demais salien­tar a importância da Compreensão Correcta. Se conseguir­mos enten­der os ensi­na­men­tos bási­cos do Buda, sabe­re­mos sempre como, por que, quan­do e onde pra­ti­car o Dharma. Se a nossa Compreensão for Cor­re­cta, não nos per­de­re­mos facil­men­te.

De acor­do com os Agamas: “Aquele que enten­de bem a Compreensão Correcta, mesmo que viva cem vezes mil vidas, ­jamais cairá nos mun­dos inferiores”.


Como Praticar o Nobre Caminho Óctuplo

O Dharma pode ser expres­so em pala­vras, mas é impos­sí­vel compreendê-lo plenamen­te se não o colo­car­mos em prá­ti­ca. Limitar-se a ler sobre o Dharma sem o praticar é algo trá­gi­co – seria como ler sobre téc­ni­cas de sal­va­men­to dian­te de um banhis­ta a afogar-se e nada fazer para o salvar.

O Nobre Caminho Óctu­plo des­ti­na-se a ser um guia para todos os aspec­tos da vida. Deve ser imple­men­ta­do na vida diá­ria para que a riqueza e o esplen­dor des­ses ensinamentos pos­sam ser ple­na­men­te compreendidos. Praticado com diligência, o Nobre Caminho Óctu­plo leva à mais mara­vi­lho­sa compreensão. Ninguém, que pra­ti­que o cami­nho há bastan­te tempo, tem dúvi­das quan­to ao seu poder e sabe­do­ria.

O Nobre Caminho Óctu­plo fun­da­men­ta-se na mora­li­da­de, crença e sabe­do­ria, sendo o guia per­fei­to para os ensi­na­men­tos do Buda. A prá­ti­ca diligen­te desse cami­nho leva à ilu­mi­na­ção per­fei­ta.

Por incon­tá­veis éons, o pró­prio Buda rea­li­zou actos ilu­mi­na­dos pelo bem de todos os seres sen­cien­tes. Assim, a sua luz bri­lha em todos os mun­dos e a ale­gria nas­ceu na mente dos de boa índole em todos os luga­res. (Sutra Avatamsaka - Sutra da Guirlanda de Flores)



Fonte(s): Capítulo 5 do livro Budismo Significados Profundos, Venerável Mestre Hsing Yün

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