Tudo Começou com um Japamala


Fui desafiada a escrever um artigo sobre o meu percurso neste mundo sagrado dos japamalas. Aqui está ele.

Durante muitos anos, trabalhei na área do design gráfico. Mais tarde, movida por uma enorme motivação e repleta de ideias criativas decidi aventurar-me por conta própria. O design era a minha profissão, mas o esoterismo e o oculto sempre me despertaram curiosidade. Lia livros, ouvia histórias, assistia a filmes e absorvia tudo o que podia, mas não passava disso — uma curiosidade latente. Até que um dia resolvi mergulhar mais a fundo e comecei a participar em grupos de meditação, cursos de Reiki, e outras práticas espirituais. Foi como se algo dentro de mim tivesse finalmente despertado. Senti que ali, naquele mundo, estava a minha verdadeira missão de vida. Só não sabia ao certo o que era, nem como devia seguir esse caminho.


Tudo mudou quando, durante um curso, ouvi pela primeira vez falar de um japamala. Eu não fazia ideia do que se tratava ao certo, e o curso em si nem era sobre isso. Mas aquilo acendeu uma faísca em mim. Fui pesquisar, ler mais sobre o simbolismo e a tradição dessa peça tão singular. Decidi que precisava de um japamala para mim, algo que representasse o que estava a aprender. Acontece que, em Portugal, na altura, não consegui encontrar nenhum. Uma ou duas lojas até vendiam peças semelhantes, mas faltava-lhes alma e rigor — eram colares de contas, não japamalas no verdadeiro sentido. Sem nós entre as contas, sem o Meru, sem estrutura... não era o que eu procurava, nem o que eu tinha lido.


Foi então que comecei um longo período de estudos profundos para compreender a história do japamala, o seu simbolismo, a sua estrutura e construção. No início, só queria fazer um para mim, algo que refletisse a minha energia e as minhas intenções e que me ajudasse nas meditações com mantras. Mas, como era iniciante, demorei cerca de 5-6 horas para concluir o meu primeiro japamala. Escolhi obsidiana preta e crisocola, e acrescentei um grande símbolo da flor da vida, com um tassel de seda azul. Era lindo, sem dúvida, mas pesava de uma forma que eu não esperava. Coloquei-o ao pescoço, sentindo-me realizada, mas, para minha surpresa, comecei a ter dores de cabeça e nos ombros. Assim que o retirei, as dores desapareceram.
Fiquei intrigada. Como era possível, se tinha sido eu mesma a criar aquele japamala, com tanto amor e dedicação? Decidi fazer outro, desta vez com sândalo vermelho e unakite, e um tassel curto e colorido. Mais uma vez, o mesmo desconforto. Entendi, então, que não era o peso físico que me afetava. Tentei de novo, desta vez com howlita e quartzo cristal, com um símbolo do Buda e um tassel de seda rosa e branco. Era uma peça pesada mas com uma energia suave, mas, mesmo assim, a minha energia não se alinhou com ela.


Foi aí que percebi que talvez aqueles japamalas não fossem para mim. E, de facto, não eram, mas só mais tarde percebi que não somos nós que escolhemos o japamala, é ele que nos escolhe.
Algumas pessoas manifestaram interesse em querer comprar os que tinha feito e, para minha surpresa, os feedbacks foram muito positivos. As pessoas relataram transformações nas suas vidas, como sentirem-se mais centradas ou despertas. Enquanto isso, continuei a minha jornada, fazendo japamalas para outras pessoas ao mesmo tempo que tentava encontrar aquele que realmente fosse meu.


Só meses depois, na véspera do meu aniversário, viria a acontecer um momento mágico. Criei um japamala de rudraksha e quartzo rosa, com um tassel de seda rosa e um símbolo da Kuan Yin. Senti imediatamente uma conexão inexplicável. Antes mesmo de o colocar ao pescoço, soube que aquele era o meu japamala. Durante algum tempo, foi a peça que usei até que, com o tassel esfiapado pelas brincadeiras do meu gato, tive de reconstruí-lo. Fiz uma segunda reconstrução, substituindo o tassel rosa por um branco e um ano depois, reconstrui-o uma terceira vez para incorporar uma cabeça de madeira esculpida da Kuan Yin. Nessa altura, deixei de o usar e ofereci-o ao meu altar em homenagem a Kuan Yin. Senti que era esse o caminho.
Pouco tempo depois, criei um japamala inesperado (porque não era grande apreciadora do cristal que usei) e que parecia ter-me escolhido: cedro e leopardite, sem nenhum símbolo. Só mais tarde percebi que a leopardite iria ajudar-me no meu verdadeiro caminho de vida.


Enquanto isso, o meu trabalho no design gráfico começava a desmoronar-se. Cada vez mais, os clientes que me apareciam tiravam-me a paz, e as frustrações do dia-a-dia eram gritantes. À noite, a minha fuga era o mundo dos japamalas. Entre cristais, madeiras, pecinhas, cordões, eu criava um novo japamala. Aquilo era o meu momento de paz, um momento de felicidade pura. Passava o dia a fazer planos para me organizar o melhor possível para chegar à noite e entrar no meu mundo. Mesmo quando amigos brincavam comigo, a dizer que, quando envelhecesse, seria uma velhinha a fazer tricô, a verdade é que eu me imaginava a fazer japamalas até ao fim da minha vida. Ainda hoje sinto o mesmo e essa ideia envolve a minha alma como um abraço.


Com o tempo, as minhas criações começaram a ser conhecidas (e reconhecidas). Enquanto que alguns esperavam que enveredasse pelo Reiki e me tornasse uma terapeuta, surpreendi a minha mestre e amigas dos cursos e da meditação ao anunciar que queria ser artesã de japamalas. A reação foi do género "ah ok", sem grande entusiasmo, e entre incredulidade e ceticismo, havia uma certa dúvida sobre a viabilidade da minha escolha. Para mim, já era claro que essa era a minha missão. Mas uma área tão restrita, a dedicar-me a algo tão específico, não podia resultar bem para a minha vida financeira com contas para pagar. Então, não fui muito apoiada. No início vendia apenas pelo olx e como um hobby. Um ano e tal depois, criei a minha loja online, namaskar.pt, mas continuava a dividir-me entre o design gráfico e os japamalas. Quando a pandemia chegou, decidi encerrar definitivamente o capítulo do design gráfico. Já não aguentava ser maltratada pelos clientes autoritários e agressivos. O Namaskar já florescia e fazia muito mais sentido na minha vida e decidi dedicar-me inteiramente a ele.
É uma profissão que nem todos compreendem. Uns pensam mas não comentam, outros fazem comentários na tentativa de me humilharem ou diminuírem, mas não me importo. Não sou advogada, médica ou arquiteta, mas sei que o que faço tem valor. Nem que seja para um nicho de pessoas. Nem todos nascemos para ser doutores, mas todos somos importantes no que fazemos. É um sonho inusitado? Talvez. Mas é o que amo fazer. E, no final, todos estamos interligados. Posso precisar de um médico para curar um trauma físico, assim como ele pode precisar dos meus japamalas para equilibrar as suas emoções ou melhorar os seus estados meditativos. A interconexão é maravilhosa, mas lamento que nem todos pensem assim. Todos estamos ligados e todos precisamos de todos.


Durante a pandemia, houve uma explosão de "artesãos" no olx e outros sites que faziam japamalas para ganhar algum dinheiro extra. Alguns limitavam-se a revender peças do eBay e do AliExpress, sem qualquer envolvimento ou compreensão do que um japamala realmente representa. Embora tenha encontrado algumas peças bem executadas, a maioria era uma afronta. Perguntava-me várias vezes se os vendedores realmente sabiam o que estavam a vender. Confesso que me incomodava ver um objeto tão sagrado ser tratado de forma tão superficial, sem respeito pelo seu verdadeiro significado. O que me incomodava não era só a banalização do japamala, mas também a falta de ética. Houve quem copiasse as descrições que eu escrevia dos meus japamalas, palavra por palavra. Uma cliente recorrente e amiga chamou-me à atenção para uma nova loja online que tinha copiado à letra o meu texto "sobre nós". Isso chocou-me - "tudo começou com um japamala". Como designer, diria "que falta de originalidade ou criatividade", como profissional da área espiritual digo "que falta de alma, paixão e orientação no caminho de vida".
Mas o mais chocante foi ver clientes iludidos com produtos baratos, vendidos como autênticos, sem alma ou intenção. Alguns clientes chegaram até mim, a fazer comparações entre os meus japamalas com outros, mais baratos. Mas sempre acreditei que um japamala de qualidade, feito com amor e respeito, tem um valor imensurável. Os clientes que optaram por preços baixos, alguns acabaram por regressar, relatando problemas com as peças que tinham comprado. Um japamala de cristais não custa 5 ou 10€. O alerta é simples: um japamala feito por quem o trata como uma mercadoria nunca carregará a verdadeira energia de uma peça criada com respeito e dedicação. Cuidado com o que trazem para as vossas vidas.


Quase uma década depois, continuo a construir japamalas, cada vez com mais amor e a cada dia que passa vou aprendendo algo novo sobre ele e sobre mim. O japamala é um excelente mestre. É o que amo fazer, e sei que esse é o meu verdadeiro caminho. Tenho amigos que insistem que está na altura de dar um novo passo e transmitir todo o meu conhecimento a outras pessoas através de cursos e workshops, mas ainda não é o tempo, nem sei se chegará esse tempo. Não é parte do meu caminho neste momento, é tudo o que sei e sinto. O caminho me mostrará.


A minha jornada com os japamalas é marcada pela dedicação e autenticidade, refletindo uma conexão profunda com o seu verdadeiro significado. Quando me deparo com desafios, mantenho-me fiel ao meu propósito, acreditando que a energia investida em cada peça encontrará aqueles que a valorizam verdadeiramente.
Não se trata apenas de criar japamalas, mas de oferecer ferramentas que promovam a transformação espiritual e emocional. O que realmente importa não é a quantidade de peças vendidas, mas a conexão genuína e o impacto que cada criação pode ter na vida de quem a recebe.
Enquanto continuo a percorrer este caminho, percebo que o japamala é um reflexo da alma de cada um. Ele não apenas orienta, mas também revela, ajudando cada pessoa a descobrir a próxima fase da sua jornada quando estiver pronta. Com cada nova peça, renovo o meu compromisso de criar com amor e intenção, ciente de que cada japamala tem o potencial de tocar vidas de formas que vão além do material.



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