Construir um altar budista



Um altar é um espaço sagrado dedicado a imagens que representam fé, devoção e respeito. É um lugar puro, sagrado, de luz, de amor e de gratidão.

No budismo, o altar é também um espaço de reflexão, de prática espiritual e de foco. Num nível mais profundo, é uma representação do objectivo do Caminho para alcançar a iluminação. Todos os Budas foram seres comuns com o desejo de alcançar a iluminação para o bem supremo de todos os seres sencientes. O altar lembra-nos que o caminho está à frente de todos nós e que podemos, com fé e devoção, alcançar a iluminação. É também uma excelente ferramenta de foco para treinar a atenção plena e aumentar a nossa consciência.


Construção

Se para os orientais, a construção de um altar budista é parte da educação cultural, já os ocidentais têm muitas dificuldades. Desconhecem o Dharma, a cultura budista a um nível mais profundo, na maior parte das vezes não têm com quem discutir o tema para esclarecerem as suas dúvidas e a falta de espaço também se revela um problema sobretudo para quem vive em casas pequenas.

Existem muitos tipos de altares budistas, desde o mais simples ao mais elaborado, mas a base de todos é a pura fé e devoção.


Localização

Muitas das dúvidas que surgem começam logo na localização.

Apesar de algumas divisões não serem adequadas, e já falaremos sobre elas mais à frente, a localização ideal é sempre aquela onde sentir que é o espaço certo para o seu altar, onde possa fazer as suas práticas confortavelmente e em paz e amor.

Tradicionalmente, o altar é construído numa divisão dedicada somente às práticas espirituais, mas é a tradição e não uma obrigatoriedade. Dalai Lama disse recentemente que não considera muito importante a existência de uma só divisão para o altar especialmente se o praticante nunca o utilizar ou se for apenas para exposição. Considera que qualquer zona calma e limpa da casa é o suficiente para a colocação de um altar. Muitos lares no Tibete têm apenas um pequeno santuário com uma fotografia de Sua Santidade Dalai Lama.

Ainda de acordo com a tradição, o altar é colocado virado para este porque quando Buda alcançou a iluminação junto à árvore Bodhi estava sentado virado para este.

Evite colocar o altar em casas-de-banho e cozinhas, seja dentro da divisão ou fora mas perto da entrada e de frente para a porta. É considerado desrespeito.

Não deve ser colocado em cima de aparelhos eléctricos, televisões, frigoríficos, etc.

Já o quarto está associado ao sono e ao sexo e por isso também não é considerada uma divisão muito respeitosa. Além disso, um altar atrai energias que poderão perturbar a tranquilidade do seu sono. Pode colocar imagens no quarto, mas um altar não é recomendável. Se não tiver nenhuma alternativa e o quarto for mesmo a única área disponível, então faça os possíveis para que o altar fique mais elevado que a cama, numa zona afastada e nunca aos pés da cama. Os pés são considerados sujos e baixos na tradição tibetana, além disso ficaria a apontar os pés ao Buda e é também sinal de desrespeito. Coloque as imagens do lado da cabeceira.

Evite colocar junto a janelas e chaminés (mesmo que fechadas), em prateleiras e sobretudo por cima de portas (para ninguém passar por baixo). Não deve ser colocado por baixo de escadas nem de vigas.

Verifique se não existem objectos ou estruturas pontiagudas nas proximidades que estejam a apontar para o seu altar. Também não deve apontar com o dedo ao Buda.

Pode colocar estátuas e outras imagens em frente à porta de entrada mas evite colocar um altar. Se não puder evitar, coloque um planta entre o altar e a porta.


Altura do altar

O altar não deve ser nem muito alto nem muito baixo. Quando se senta para as suas práticas, deve ficar ao nível dos olhos. Se ficar muito alto não será confortável visto ser necessário esticar o pescoço para olhar para os objectos. Se ficar muito baixo, olhará o altar de um nível acima e é considerado desrespeito.

O altar deverá ser construído numa estrutura sólida preferencialmente em madeira por ser natural. O plástico é completamente industrializado e tem muito baixa energia. Pode utilizar uma mesa ou um armário com um só nível ou vários (leia mais à frente).

As prateleiras são boas opções para colocação de estátuas e outros objectos, mas para um altar é uma opção a descartar visto que o altar deverá estar "enraizado".

Pode colocar um pano de seda, por exemplo um corredor de mesa. Nunca coloque o altar directamente no chão ou num local sujo.


Altar por níveis (tendo por base um altar budista clássico):

1 nível - onde todos os objectos estão ao mesmo nível sendo sempre a figura central o Buda Shakyamuni, o buda histórico, com uma escritura budista à esquerda e uma estupa à direita (de frente para o altar).

2 níveis - a figura central é colocada no nível acima juntamente com a escritura e a estupa na mesma ordem, sendo que todos os outros objectos ficam no nível abaixo.

3 ou mais níveis - no topo fica o Dharma, a escritura (todos os Budas "nasceram" do Dharma), seguido da imagem do Buda Shakyamuni que fica no centro, no nível seguinte pode colocar imagens de outros Budas ou Bodhisattvas e a estupa e no nível mais baixo as taças de oferendas.


Pode construir um altar dedicado a outro Buda ou a um Bodhisattva, mas sendo o fundador do Budismo, o Buda Shakyamuni deverá estar presente também.


Objectos e a sua disposição

Não é importante o tamanho do altar. Seja grande ou pequeno, apenas com um nível ou com vários, com poucos ou muitos objectos, o que é realmente importante é que seja um espaço de profundo respeito.

Um altar budista básico deverá conter, pelo menos, uma imagem de um Buda ou de um Bodhisattva, velas, incensos e flores.

Um altar budista clássico contém objectos que simbolizam as qualidades do corpo, da mente e da fala e são tradicionalmente representados através de uma imagem do Buda Shakyamuni (o buda histórico), uma escritura budista (por exemplo o Sutra do Coração) e uma estupa (no Tibete chamado de Chorten). Os três representam as Três Jóias do Budismo.

Todos os altares budistas deverão conter, pelo menos, uma estátua ou fotografia do buda histórico. Independentemente da colocação dos objectos, é muito importante que a figura central do altar seja a do Buda Shakyamuni. Foi ele quem deu início à filosofia budista, foi o fundador, O professor. Colocar Buda ao centro revela imenso respeito e ajuda o praticante a não se desviar dos seus ensinamentos. À sua direita (de frente para o altar) é colocada a estupa e à sua esquerda a escritura. A escritura não necessita ser em tibetano ou sânscrito, qualquer língua serve. Representa a fala. Quanto à estupa, representa a mente de Buda. Pode colocar uma fotografia, por exemplo da estupa de Sarnath na Índia, onde Buda fez os primeiros ensinamentos.

Podem ser colocadas velas, incensários, flores, cristais, objectos com significado especial, japamalas, livros sagrados, taças tibetanas, etc. Os japamalas podem ser guardados no altar quando não estão a ser utilizados, mas se forem oferecidos ao altar já não podem ser usados para fins pessoais.

Podem ser colocados Thangkas na parede por trás do altar, do Buda, de Bodhisattvas, da Roda da Lei, etc.

Não coloque objectos de outras religiões e filosofias. Um altar budista é somente budista, um altar cristão é somente cristão.

A imagem deverá estar mais para trás no altar junto à parede e à frente dela serão colocadas as taças de oferendas. Tradicionalmente são 7 taças de metal (prata, latão ou cobre) que representam a Prática ou Prece dos Sete Ramos" que é um método para purificar tendências negativas e acumular potencial positivo.

O aspecto principal de qualquer oferenda é a motivação e a pura generosidade. Importa, acima de tudo, dar com o coração aberto, puro, sem apego e sem esperar nada em troca. Na tradição tibetana, as oferendas consistem em 7 taças de água. A água simboliza a pureza e é considerada abundante e gratuita, e portanto não acarreta esforço na doação. A ideia é que as oferendas sejam doadas tão livremente como doamos água.


Prática ou Prece dos Sete Ramos

1. Prostrações (ritual de reverência, a entrega ao caminho da iluminação, purificação da negatividade, da ilusão e do mau karma).

2. Oferendas (as oferendas são simbólicas, mostram o que estamos a doar a nós mesmos: o nosso tempo, o nosso coração, a nossa energia, a nossa dedicação, o nosso esforço. Simbolizam o nosso trabalho interno para podermos ajudar os outros seres).

3. Confissão (admitir abertamente que nem sempre conseguimos ajudar os outros, que somos preguiçosos ou incapazes, mas que nos arrependemos e desejamos não ter agido de determinada forma. Então faremos de tudo para nos erguer usando a força que neutraliza os nossos erros e voltaremos ao refúgio das Três Jóias, que são a nossa fundação).

4. Regozijo (todos já tivemos comportamentos destrutivos ou egoístas, mas também já agimos construtivamente. Depois de admitirmos os nossos erros e imperfeições, temos de reafirmar as atitudes positivas e construtivas, que nós, os outros seres e os Budas tiveram, e regozijar-nos delas).

5. Girar a Roda do Dharma ou Solicitar Ensinamentos (pedir algo que nos inspire, pedir com gratidão, requisitar os conhecimentos dos Budas).

6. Pedir aos Budas que Permaneçam (pedir aos Budas que não entrem no Parinirvana, pedir para que fiquem até atingirmos a iluminação leve o tempo que levar).

7. Dedicação (o mais importante, dedicar. Dedicar qualquer força positiva ou consciência profunda que tenhamos alcançado com as nossas práticas para que nós mesmos e todos os outros seres possamos alcançar a iluminação para o bem supremo de todos).




As 7 taças de oferendas

1 - Água de beber

É a água oferecida ao Buda para beber e limpar a boca e o rosto. Simboliza todas as causas e condições positivas e auspiciosas. A pureza da água contém 8 qualidades: clareza cristalina, frescura, doçura, leveza, suavidade, é livre de impurezas, é calmante para o estômago e limpa e liberta a garganta.

Representa o ramo das Prostrações na Prática dos Sete Ramos.

Deve ser potável. A água deve ficar à distância de um grão de arroz do limite da taça.

2. Água para lavar

Água pura e limpa oferecida ao Buda para lavar os pés. Simboliza a purificação do karma negativo e das ilusões. Representa o ramo das Oferendas na Prática dos Sete Ramos.

Tradicionalmente a água era perfumada com sândalo ou outra essência adocicada. A água deve ficar à distância de um grão de arroz do limite da taça.

3. Flores

As flores mais bonitas do Universo, flores medicinais, frutos e grãos oferecidos ao Buda. Simbolizam a beleza e o progresso da iluminação, a abertura de coração e a generosidade. Representa o ramo da Confissão na Prática dos Sete Ramos.

Se as flores forem artificiais, a taça deve conter arroz cru. Se forem flores frescas a taça deve conter água.

4. Incensos

Oferendas de cheiro ao Buda. Simboliza a moralidade, a ética e a disciplina que são as causas e condições básicas das quais as qualidades puras da iluminação são cultivadas. Representa o ramo do Regozijo na Prática dos Sete Ramos.

Podem ser colocados numa taça com arroz cru.

5. Luz

Toda a forma de luz, natural como o sol ou artificial como a vela. É uma oferenda aos olhos do Buda e a todos os olhos dos despertos que vêem com pura clareza. Simboliza a paciência, a mente disciplinada que afasta a ignorância, a dissipação de todas as trevas da mente. É o ramo do Girar a Roda do Dharma na Prática dos Sete Ramos.

Tradicionalmente as velas utilizadas são as de manteiga, mas pode utilizar qualquer outra.

6. Perfume ou água perfumada

Todas as lindas fragrâncias e perfumes que se podem cheirar ou pôr no corpo. É uma oferenda à mente do Buda e simboliza a perseverança e o esforço entusiasta que é o coração da iluminação. Sem perseverança, todas as outras qualidades despertas não poderão erguer-se na mente. É o ramo do Pedir aos Budas que Permaneçam na Prática dos Sete Ramos.

Podem ser utilizados óleos essenciais em água.

7. Comida

Alimentos bons e deliciosos de todos os tipos e gostos. É uma oferenda às Três Jóias do Budismo (Dharma, Buddha, Sangha). Simboliza a mente clara e estável de Samadhi (absorção meditativa) e o precioso néctar do caminho que leva à iluminação. Representa o ramo da Dedicação na Prática dos Sete Ramos.


Alguns altares contêm ainda uma oitava taça:

8. Música

É uma oferenda aos ouvidos do Buda e simboliza a sua sabedoria e compaixão.

A taça deve conter arroz cru e no topo uma representação de música (búzio, címbalos ou sinos).


Fazem-se oferendas aos Budas ou Bodhisattvas, não porque necessitem, mas para o nosso próprio benefício, para podermos alcançar mérito e sabedoria e renunciarmos ao egoísmo, ao apego e ao ego.

As taças deverão ficar lado a lado, em linha recta perfeita, em frente ao Buda ou Bodhisattva, a uma distância de um bago de arroz entre elas. Não deverão tocar-se entre elas, nem ficarem muito afastadas.

As oferendas são feitas diariamente pela manhã, da esquerda para a direita, de frente para o altar, sem respirar directamente para a oferenda por ser sinal de impureza. Uma taça nunca deve estar vazia no altar a menos que esteja voltada ao contrário. Para encher as taças, vire ao contrário (sem pousar no altar), coloque um pouco de água (ou outra oferenda), pouse a taça e acabe de encher. É inauspicioso ter taças vazias no altar, mesmo que as vá encher de seguida. Por isso, pegue na taça, encha um pouco, coloque no altar e acabe de a encher.

As taças devem ser cheias até cima, sem derramar, a uma distância de um bago de arroz do limite da taça. Tenha à mão tudo o que necessita para reabastecer as taças no altar. Para repôr água, utilize um jarro, não leve as taças do altar para as encher.

No fim do dia, antes do pôr-do-sol, as taças são esvaziadas (utilize um jarro para este efeito), limpas e secas da direita para a esquerda e viradas ao contrário. Se uma taça ainda contiver uma oferenda fresca (fruta por exemplo) deve ser deixada intocável, mas ao primeiro sinal de deterioração deverá ser limpa e virada ao contrário. Só na manhã seguinte será colocada novamente uma fruta fresca.

A água retirada diariamente ao fim do dia pode ser utilizada para regar plantas. Não deve ser deitada fora. Retire a água para um jarro em frente ao altar, não leve as taças para despejar. As oferendas de comida podem ser consumidas depois de serem retiradas do altar mas tratadas com respeito e atenção plena por se tratarem de alimentos sagrados.




Mantras

Podem ser oferecidos ao Buda ou Bodhisattva mantras logo que se iniciam as práticas pela manhã durante a preparação das oferendas: RAM YAM KHAM seguindo de OM AH HUNG, 3 vezes.

RAM YAM KHAM significa purificação. RAM é a sílaba que representa o fogo e a cor vermelha, purifica através da queima das impurezas, YAM representa o ar e a cor azul, purifica através da expulsão das impurezas e KHAM representa a água e a cor branca, purifica lavando todas as impurezas.

OM AH HUNG é a ressonância da pureza do corpo, fala e mente. OM é a água e a cor branca, ressoa no chakra da coroa e é a vibração sonora na purificação do corpo, AH é o fogo e a cor vermelha, ressoa no chakra laríngeo e é a vibração sonora da purificação da fala, HUNG é o ar e a cor azul, ressoa no chakra cardíaco e é a vibração sonora da purificação da mente e do pensamento.

Na tradição tibetana, é também comum recitarem-se os seguintes mantras:

OM MANI PADME HUM - mantra do Bodhisattva Avalokiteshvara (Kuan Yin)

OM MUNI MUNI MAHA MUNAYE SOHA - mantra do Buda Shakyamuni

OM TARE TUTTARE TURE SOHA - mantra de Tara

Existe outro mantra que pode ser recitado que serve não só para abençoar as oferendas como multiplicá-las:

OM NAMO BAGHAVATE VAJRA SARA PRAMADANA TATHAGATAYA

ARHATE SAMYAKSAM BUDDHAYA

TAYATHA

OM VAJRE VAJRE

MAHA BENZE

MAHA TEDZE VAJRE

MAHA VIDYA VAJRE

MAHA BODHICITTA VAJRE

MAHA BODHI MENDO PASAM KRAMANA VAJRE

SARVA KARMA AVARANA

BISHO DHANA VAJRE SOHA


Manutenção

Mantenha o altar e tudo contido nele sempre limpo, em ordem e com oferendas frescas.

Não remova nenhum objecto para limpar. Opte por um espanador de penas.

No fim do dia, retire as oferendas deterioradas, limpe-as e vire-as ao contrário. As oferendas de água devem ser sempre removidas.

O cuidado com a limpeza demonstra pureza de mente e grande respeito.

Trate o seu altar com amor e dedicação. É o seu veículo precioso que torna possível o fim do sofrimento e o alcance do estado desperto da iluminação.



Fonte(s): The Foundation of Buddhist Thought, YoWangDu - Experience the Joys of Tibetan Culture, Tibetan Buddhist Altar, Shambhala Publications, The Buddhist Shrine, Kuan Yin - Accessing the Power of the Divine Feminine de Angela Schenker, The Buddha Garden

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